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Qualquer pessoa verdadeiramente religiosa já alguma vez disse para si mesma: se tivesse nascido noutro continente, de uma família de outra religião, muito provavelmente a minha pertença religiosa seria outra. Na Índia, seria hindu. Em Marrocos ou na Indonésia, muçulmano. Em Israel, de mãe judaica, seguiria o judaísmo. Na China, seria confucianista ou taoísta. No Japão, xintoísta. Na Europa, em Portugal, cristão católico; na Rússia, cristão ortodoxo; na Suécia, cristão luterano.
É este exercício que o teólogo católico Hans Küng faz na sua última obra Was ich glaube (A minha fé), resultado de uma série de lições dadas, aos 80 anos, na Universidade de Tubinga.
Se tivesse nascido como um dos 1200 milhões de seres humanos na Índia, provavelmente seria hindu. Acreditaria no samsara, o ciclo das reencarnações, no quadro de uma compreensão cíclica do tempo, da natureza, dos diferentes períodos cósmicos e da história. Aceitaria que tudo é regido por uma "ordem eterna" ("Sanata dharma"), cósmica e moral e pela qual o ser humano se deve orientar. Importante é agir correctamente. Acreditaria que a minha vida presente resulta da minha acção moral boa ou má na vida anterior ("karma"), como a minha vida presente determina a vida seguinte. A saída do ciclo das reencarnações dar-se-ia na identificação de atman (eu) com Brahman (o Absoluto, a Realidade última e verdadeira).
Nascido no Sri Lanka, na Tailândia, no Japão, seria provavelmente um entre as muitas centenas de milhões de budistas, rejeitando a autoridade dos Vedas e, assim, também o domínio dos brâmanes e das castas. A figura que serviria de orientação seria Siddharta Gautama, "o Buda", que quer dizer "o Desperto", o "Iluminado". Desde o século VI a. C., ele responde, através da sua doutrina ("Dharma"), às grandes perguntas humanas. Essa resposta concentra-se nas "Quatro nobres verdades". A primeira: tudo é sofrimento, também no sentido de que tudo é impermanente. Qual é a origem do sofrimento que atravessa a vida toda? Responde a segunda: É a "sede de viver", o desejo, o ódio, a cegueira espiritual. A terceira nobre verdade diz que, através do desapego, é possível superar o sofrimento. Para isso, há a nobre verdade do caminho, com oito braços, que conduz à extinção do sofrimento: a visão perfeita, a resolução perfeita, a linguagem perfeita, a acção perfeita, a vivência perfeita, o esforço perfeito, o recolhimento perfeito, a concentração perfeita. Procura-se superar o renascimento, alcançando o Nirvana, aquela situação na qual já não há cegueira e todo o desejo é apagado - aquela situação que, já nada tendo a ver com a nossa experiência empírica, carece de toda a figura concreta, e, por isso, é o Nada, não no sentido niilista, mas de paz, plenitude e felicidade.
Nascido na China como um dos 1500 milhões de chineses, seguiria uma das três tradições religiosas: o budismo, o confucianismo ou o taoísmo.
Fonte:Diário de Notícias: opinião por Anselmo Borges
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1793585